quarta-feira, 8 de março de 2017

Fundadora do Ni Una Menos diz que luta contra violência machista leva tempo

Monica Yanakiew – Correspondente da Agência Brasil
Movimento Ni Una Menos mobilizou multidões em outubro do ano passado na Argentina

Movimento Ni Una Menos mobilizou multidões em outubro do ano passado na Argentina Osvaldo Fantón/Télam




As argentinas prometem fazer barulho nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher. Ao meio-dia, elas farão uma pausa e sairão às ruas para apitar, bater palma e tocar tambor - ou qualquer coisa que contribua para o “ruidazo” (ruído enorme). No final da tarde, elas prometem marchar contra a violência machista que, na Argentina, mata uma mulher a cada 37 horas.
A manifestação foi convocada pelo movimento Ni Una Menos (Nem Uma a Menos), que nasceu na Argentina em 2015, depois de um assassinato que chocou o país. Chiara Paez, de 14 anos, foi morta a pauladas pelo namorado, de 16. O corpo da adolescente grávida foi encontrado na casa dos avós do rapaz, levando a Justiça a suspeitar de que ele teria cometido o crime com a ajuda dos parentes.
Dois anos mais tarde, o movimento argentino cruzou fronteiras, inspirando outros na América Latina e na Espanha, e seu slogan foi incorporado à fala de políticos.
No discurso de abertura das sessões legislativas, na última quarta-feira (1º), Macri prometeu combater a pobreza, a inflação, a corrupção, o narcotráfico – e também o feminicídio. “Todos nos unimos ao grito Ni Una Menos”, disse.
A jornalista e escritora Marta Dillon, uma das fundadoras do movimento, diz que a violência machista não se restringe ao feminicídio: abarca toda forma de violência física, psicológica, social e econômica.
Ela conta que participava de um grupo de intelectuais que se reunia para debater questões como o direito ao aborto. Mas sucessivos casos de mulheres assassinadas e encontradas em sacos de lixo fez com que decidissem sair às ruas. A gota d’água foi a morte de Chiara Paez que, em junho de 2015, mobilizou multidões, aos gritos de “Ni Una Menos”.
“É uma causa que unifica. Muitos são contra o aborto, mas quem vai ser contra um movimento que defende a vida das mulheres?” , pergunta Marta.
Apesar do consenso – e de milhares terem voltado às ruas em outubro passado, vestidas de luto –, a violência de gênero persiste.
“Não é algo que se pode mudar de um dia para o outro”, diz Marta. “Qualquer mudança, que mexe nas estruturas, leva tempo e provoca reações. Temos que continuar a luta”, acrescentou.
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, Marta Dillon conversou com a reportagem da Agência Brasil. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil: Que outras reivindicações farão no Dia da Mulher?
Marta Dillon: Somos contra um sistema patriarcal, que subjuga a mulher, não apenas com a violência, mas também pagando menos pelo mesmo trabalho. As mulheres trabalham, em média, três horas a mais que os homens, se contarmos o tempo que dedicam às tarefas domésticas e à família. E ganham 27% a menos. Ou seja, se fizermos os cálculos e formos comparar, trabalhamos cinco horas por dia sem qualquer remuneração.
Agência Brasil: Como será a greve do dia 8?
Marta: Aqui, na Argentina, será uma greve simbólica, porque entendemos que na atual conjuntura econômica, nem todo mundo pode parar. Mas pedimos que quem possa pare pelo menos uma hora, só para chamar a atenção para a situação da mulher. Não queremos flores. Queremos respeito no mercado de trabalho.
Agência Brasil: Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, apesar da divulgação de uma gravação com comentários ofensivos em relação às mulheres. Na Argentina, a violência de gênero continua sendo notícia, apesar de o país ter uma vice-presidente mulher e até uma lei proibindo cantadas ofensivas. Você acha que, na prática, houve alguma mudança?
Marta: Nos Estados Unidos, Trump foi eleito presidente, mas no dia seguinte houve uma enorme manifestação, convocada pelas mulheres. E [o protesto] não foi apenas contra seu discurso misógino, mas também contra todo tipo de discriminação. E tanto a gravação, como as críticas aos comentários de Trump, foram notícia no mundo. Não passaram desapercebidas, como algo comum ou natural.
Isso é sinal de que está havendo uma mexida nas bases da sociedade e isso incomoda muita gente. As pessoas têm medo do novo e o que estamos propondo é uma mudança numa estrutura que sempre foi patriarcal. Na Argentina, chama a atenção a brutalidade de alguns desses crimes contra as mulheres. É como se os homens sentissem a necessidade de usar mais violência para mostrar que ainda podem domesticar as mulheres. Mas nenhuma mudança cultural é feita de um dia para outro.
Agência Brasil: Quais os planos para conseguir o que querem?
Marta: As Mães da Praça de Maio marcharam 40 anos para conseguir colocar os repressores da ditadura (1976-1983), responsáveis pela morte de seus filhos, atrás das grades. Espero não termos que marchar 40 anos para ver uma mudança (risos). Mas se for necessário, marcharemos.

Edição: Lílian Beraldo

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