A concentração de poderes e o excesso de processos foram apontados como os principais problemas enfrentados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em debate promovido pela FGV em parceria com a Folha de São Paulo nesta quarta-feira (9).
Foi consenso entre os quatro debatedores que a sobreposição dos papéis de corte constitucional, de tribunal recursal e de primeira instância para autoridades com foro especial compromete a qualidade da atuação do STF.
“Houve um processo institucional de acúmulo de competências que, em outros países, estão dispersas entre diversas instituições” afirmou Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito de São Paulo, professor de direito constitucional e colunista da Folha de São Paulo.
Vilhena argumenta que a Corte deveria exercer apenas a jurisdição constitucional, que “exige capital para decidir questões que dividem a sociedade [como aborto e legalização de drogas] que, para a democracia, são complicadas.”
O enorme acervo de ações que aguardam julgamento é consequência direta dessa arquitetura institucional, segundo os debatedores.
“O tribunal hoje é ingovernável, tanto pela quantidade de casos quanto pelo número de portas de entrada [de processos]”, disse Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP.
A professora da Unesp Soraya Lunardi citou o exemplo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 105 que tramita na Corte desde 1989 e está há mais de dez anos conclusa (pronta para julgamento) no gabinete do ministro Celso de Mello.
“Que tipo de corte é essa que pega o processo mais importante do controle de constitucionalidade e guarda na gaveta? Seria menos hipócrita dizer ‘esse processo não é importante. Não vou julgá-lo’”, afirmou Soraya.
Uma das propostas da professora é a criação de um Código de Processo Constitucional. Ele estabeleceria regras processuais mais claras e definiria prazos para julgamento a serem respeitados também pelos ministros —e não só pelas partes, como ocorre hoje.
O excesso de processos também leva ao aumento das decisões monocráticas e, consequentemente, ao protagonismo dos ministros e à insegurança jurídica, afirmaram os convidados.
“O problema de erosão da autoridade coletiva do tribunal está evidente nas liminares, mas não apenas” diz Eloísa Machado, coordenadora do projeto “Supremo em Pauta” da FGV.
Ela cita a decisão liminar que determinou o afastamento de Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado, proferida pelo ministro Marco Aurélio e descumprida pelo senador, como um exemplo do risco que elas apresentam à imagem do STF.
Também foi objeto de críticas o descumprimentos pelos ministros das regras relativas à imparcialidade.
As normas que regem os casos em que juízes devem se escusar de julgar certos processos são, na prática, desrespeitadas pelos ministros, afirma Soraya.
“Tecnicamente, a justificativa é que na jurisdição objetiva [que envolve temas constitucionais e vai além do conflito entre as partes], não há partes nem interesse. Mas isso é falso” diz.
Para Mendes, a ausência de uma cultura de conflitos de interesse compromete a autoridade do tribunal.
Ele sugere que seja adotado um código de conduta para os ministros que regeria sua atuação fora do âmbito institucional.
Os especialistas também criticaram a falta de transparência dos critérios que definem a pauta e o amplo poder da presidência do tribunal e do relator de decidir, arbitrariamente, o momento do julgamento.
Um exemplo dessa prerrogativa é a decisão da presidente Carmen Lúcia de não pautar as ADCs (Ações Diretas de Constitucionalidade) que discutem o tema da prisão após a segunda instância.
Sob a presidência da ministra, a pauta de julgamentos tem sido definida e publicada com antecedência de um mês, segundo Eloísa. “Antes, ela era divulgada na sexta-feira e julgada na quarta subsequente”, afirma.
“Essa imprevisibilidade [do que será pautado] é desrespeitosa, às vezes” afirma Mendes.
Eloísa citou o exemplo de um processo que foi pautado e retirado da pauta oito vezes. A professora considerou que o direito de acesso à Justiça da parte foi prejudicado, uma vez que ela não tinha sede em Brasília e tinha que enviar representantes a cada ocasião.
Pedidos de vista também afetam a pauta e deveriam ser objeto de novas regras, de acordo com os debatedores.
Previstos como um instrumento para que o ministro possa ter tempo de estudar o caso de forma aprofundada antes de proferir seu voto, eles têm sido usados às vezes para adiar decisões de mérito.
Atualmente, o prazo determinado regimento do STF, de 20 dias, é ignorado pelos ministros, que decidem discricionariamente.
Folha de São Paulo
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