Nascido no bojo do movimento
sindicalista na virada entre as décadas de 1970 e 1980, o PT, Partido
dos Trabalhadores, e seu governo sentem hoje a perda de apoio entre sua
própria base.
A Central Única dos
Trabalhadores (CUT), junto com mais 25 movimentos sociais, realiza nesta
sexta-feira, Dia do Trabalho, um ato em São Paulo “em defesa dos
direitos da classe trabalhadora, da democracia, da Petrobras e da
reforma política”.
A carta de convocação não defende ou
menciona diretamente o PT ─ partido que sempre foi muito próximo à CUT ─
e tampouco o governo da presidente Dilma Rousseff.
O documento critica o ajuste fiscal
proposto pela administração petista ─ como as medidas que buscam
restringir o acesso ao seguro-desemprego ─ e refere-se brevemente aos
pedidos de impeachment contra a presidente, ao afirmar que “nossa luta é
pela manutenção do estado democrático de direito, contra a onda
golpista em curso”.
Em meio ao momento político delicado, a
BBC Brasil ouviu pessoas historicamente ligadas ao PT sobre o futuro do
partido. Entre os entrevistados, predomina a certeza de que a legenda
precisa recompor ligações mais estreitas com os movimentos sociais para
se fortalecer até as disputas presidenciais de 2018, quando,
especula-se, sua estrela maior ─ o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ─ poderá ser novamente candidato.
“Se o ajuste fiscal de Dilma penalizar
apenas os mais pobres, o PT dificilmente deixará de sofrer significativa
derrota nas eleições municipais de 2016″, afirma Frei Betto, que nunca
foi filiado ao PT, mas participou da construção do partido e coordenou o
programa ‘Fome Zero’ no início do primeiro governo Lula, seu amigo
pessoal.
“O caminho para superar a crise é o PT
assegurar a governabilidade por seus vínculos com os movimentos sociais,
ainda que isso desagrade o mercado e divida sua base aliada no
Congresso. Fora dos movimentos sociais o PT não tem futuro”, diz.
Lideranças do partido como Lula, Tarso
Genro e Marco Aurélio Garcia discutem hoje a possibilidade de lançar a
candidatura à Presidência em 2018 não em nome do partido, mas de uma
frente ampla inspirada no modelo uruguaio, que reunisse sindicatos,
associações, outras siglas, ONGs e movimentos sociais. Não está claro
ainda como isso poderia ser viabilizado, já que pelas regras atuais o
candidato tem que ser registrado por uma legenda.
Para o autor do livro A história do PT, o
professor da USP Lincoln Secco, essa estratégia “seria uma passo atrás,
uma resposta desesperada à crise”.
“O PT se afirmou historicamente como um
partido hegemônico no campo da esquerda. Se ele propuser essa frente
ampla, vai assumir que não é mais esse partido e precisa se esconder.
Ele entraria numa linha meio defensiva”, analisa.
Direitos trabalhistas
Secco considera que a maioria das
lideranças de centrais sindicais e movimentos sociais, como CUT, MST e
Central de Movimentos Populares, continua fiel ao PT. No entanto,
precisam manter uma distância segura do governo neste momento para não
perderem eles mesmos apoio de suas bases.
“O governo está promovendo um ajuste
fiscal contrário aos trabalhadores, passa por uma crise de legitimidade.
Ninguém ganha muito ao ficar do seu lado”.
O historiador acredita que isso pode
mudar caso a economia volte a crescer. E, se por um lado a proposta de
ajuste fiscal do governo enraiveceu parte importante da base eleitoral
petista, por outro, o debate em torno da regulamentação do trabalho
terceirizado apareceu como um oportunidade de reaproximação, nota ele.
“O movimento sindical sabe que a
oposição de direita seria muito pior para ele. A votação da
terceirização é o retrato disso: de um lado ficou o PT com 100% de votos
contrários, de outro lado ficaram os partidos de direita. Isso melhora a
relação do PT com a CUT, por exemplo”.
Na quinta-feira, a presidente fez
críticas à ampliação da possibilidade de terceirização para qualquer
atividade das empresas, depois de receber os presidentes das centrais
sindicais no Palácio do Planalto. Atualmente, apenas atividades
secundárias, como limpeza e segurança, podem ser terceirizadas.
Lula já afirmou que Dilma vetará a
ampliação da terceirização caso ela seja aprovada no Congresso, mas a
própria presidente não se comprometeu com isso.
Além de superar as rusgas com
sua base, outro enorme desafio para o futuro do PT é enfrentar as
denúncias de corrupção na Petrobras, trazidas à tona pela Operação Lava
Jato.
Fundador do PT, o economista
octogenário Paul Singer defende o partido: diz que a Lava Jato foi
promovida pelo governo federal ─ lembrando que a Polícia Federal está
subordinada ao Ministério da Justiça. Segundo ele, o PT “não é leniente
com a corrupção” e afastará quem for culpado, assim como já foi feito
com o ex-deputado André Vargas.
“Está mais do que sabido que esse
processo de corrupção ocorre em obras públicas em geral e, na Petrobras,
antes do governo do PT. Daí a discussão: por que não foi feito antes (a
investigação)?”, questiona ele, atualmente secretário de Economia
Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.
Secco, por sua vez, é a favor de uma
“limpeza profunda” no partido. Para ele, o PT já deveria ter afastado
também seu tesoureiro, João Vaccari Neto, que, após ser preso
preventivamente, apenas se licenciou do cargo. Ele ainda será julgado
pela primeira instância da Justiça Federal.
“No caso do mensalão, o PT ficou num
discurso ambíguo, ora dizia que era um julgamento político, ora
abandonava seus dirigentes. Mas agora nenhuma estratégia mais vai
funcionar, porque por mais que o PT diga que todos os partidos façam
(corrupção), e até acho que seja verdade, mas o PT está há 13 anos no
poder e não fez nada para mudar isso”, diz Secco.
Doações
Diante das acusações de que o partido
recebeu doações com recursos desviados da Petrobras por meio de
contratos superfaturados com empreiteiras, seu presidente, Rui Falcão,
anunciou há duas semanas que o PT não captará mais recursos de empresas.
A princípio, a proibição não se estenderá a candidatos dos partidos,
que poderão buscar doações por conta própria.
O PT defende uma reforma política que
proíba doações de empresas, mas a proposta enfrenta resistência de
outros partidos. Dessa forma, o PT corre o risco de disputar as próximas
eleições com campanha mais modestas que as de seus concorrentes.
Singer acredita que isso pode na verdade
beneficiar o PT. “Penso que isso vai ser usado nas eleições como
argumento contra os adversários”, disse.
“Se o PT renunciar inteiramente aos
recursos empresariais e o STF ou o Congresso não decidirem pela
proibição, isso vai ter um impacto negativo enorme em sua campanha, pois
será uma concorrência desigual com o PSDB, mas vai lhe devolver grande
força simbólica”, concorda Secco.
Para o historiador, os petistas mais
conhecidos (como deputados, sindicalistas, ex-secretários estaduais ou
ministros) não terão dificuldade de buscar recursos diretamente com as
empresas ─ o que pode ter o efeito negativo de dificultar a renovação de
quadros do partido.
Lula
E renovar suas lideranças é justamente
outro fator importante para o futuro do partido, avaliam os
entrevistados pela BBC Brasil.
“O PT é muito dependente da figura
carismática de Lula, e não renovou suas lideranças nos últimos anos”,
afirma Frei Betto, destacando ainda a perda de quadros proeminentes
acusados de corrupção, caso dos ex-presidentes do partido José Dirceu e
José Genoíno, condenados no caso do Mensalão.
“Ao promover a inclusão econômica do
povo brasileiro nos últimos 12 anos, o PT não promoveu inclusão
política. A nação foi despolitizada, perdeu o horizonte histórico de
mudanças sociais. Hoje, o PT tem milhares de filiados e eleitores, mas
não tem militantes”, acrescenta ele.
Singer reconhece o problema e por isso
propôs recentemente um curso interno sobre a história do partido e
proferiu a aula inaugural para cerca de 150 pessoas.
“Sugeri o curso para que os membros
tenham claro entendimento ─ inclusive histórico ─ de porque o PT defende
isso ou aquilo. É importante que as pessoas entendam que desde o século
19 houve lutas por democracia, por igualdade, por direitos sociais, e o
PT continua essa tradição”.
Conservador?
Nem todos que fundaram o PT, porém,
consideram que o partido ainda segue seus princípios originais. E o
próprio papel do ex-presidente não é unanimidade entre as figuras
históricas do partido. Um de seus fundadores, o sociólogo Francisco de
Oliveira, considera que “Lula matou o PT”.
Oliveira deixou o partido em 2003, logo
após Lula vencer sua primeira eleição presidencial, por acreditar que o
partido “se aburguesou”. Ele lembra que, em 1980, quando a legenda foi
fundada, tinha ideais reformistas e era crítico ao capitalismo.
“Lula é um conservador, não um
revolucionário. Aliás, nunca foi. Mas o partido sim, era maior do que
ele. O Lula virou maior do que o partido. As declarações de líderes
partidários (hoje) são patéticas, porque se o Lula disser em outra
direção, acabou”, critica o sociólogo.
“Então, se ele voltar em 2018, é, como se dizia antigamente, a pá de cal (sobre o partido)”, diz.
Por BBC Brasil
Paulinho Bolos
Nenhum comentário:
Postar um comentário